Próxima parada: pôr-do-sol




Gosto de ouvir os ruídos que vêm da rua. Esse barulho de cidade grande dá-me a sensação que faço parte de um mundo meio sem tempo. Há uma urgência presente nas coisas, nas pessoas... É como se vivêssemos à beira de uma catástrofe iminente, um apocalipse inadiável. Corre-se de um lado para outro num afã de formigas em vésperas de longo inverno chuvoso.
As árvores balançam seus galhos com suavidade, ao sabor da brisa fresca, mas não há quem observe esse leve vaivém, o cair de uma folha que mal roça o espaço entre o galho do qual se desprende e o chão.
O cantar da cigarra é abafado pelas buzinas e roncos dos motores. O mar encrespado pelo vento fica salpicado de pontinhos brancos semelhantes a porções de glacê cremoso. Pequenas aves marinhas voam por sobre as ondas sem se preocupar com a falta de tempo dos humanos.
No entanto, quando o sol começa a descer no horizonte, a inundar o céu de todos os tons da aquarela, mesmo os mais apressados param por alguns instantes e olham a bola incandescente que lentamente vai sendo engolida pela linha que divide céu e mar.
Felizmente - no meio dessa pressa insana - ainda há tempo para o pôr-do-sol. Resta, pois, uma esperança...


"Nada que é humano me é estranho"




Hoje acordei pensando em Virginia Woolf... Talvez porque esteja lendo As Horas, livro no qual ela é uma das personagens. Virginia era uma mulher que embora forte e à frente de seu tempo, sofria de profunda depressão. Suicidou-se enchendo os bolsos do casaco de pedras para em seguida lançar-se ao leito do rio que corria próximo à sua casa.
Há uma frase de Terencio, poeta e dramaturgo romano, usada no referido livro "nada que é humano me é estranho" que daria para encher laudas e mais laudas de teorias, análises, estudos. Com certeza mesmo que fosse profundamente pesquisado não se esgotariam as conclusões.
Não sou a pessoa mais indicada para lançar dissertações a respeito dessa declaração – não consigo na maiorias das vezes entender a minha própria alma, que dirá a dos outros –, mas creio que poderia dizer que a sabedoria conduz ao sofrimento. Digo isso porque ao se conhecer um pouco mais os fatos, acabamos por chegar no âmago das questões e descobrimos, ou pelo menos chegamos bem perto de descobrir, a raiz das ansiedades, das tristezas, dos traumas. O olhar crítico nos informa sobre questões que acabam machucando, abrindo algumas feridas.
A ignorância atribui a Deus a origem de todos os sofrimentos: "é a vontade de Deus...". Dessa forma simplista as coisas são mais ou menos explicadas e aceitas como inevitáveis. E se vêm daquele que é nosso Pai, não tem como questionar. É a isto que alguns chamam de karma e eu, de conformismo por ignorância.
Justamente pela não aceitação é que alguns buscam explicação para aquilo que acontece à nossa volta, e essa busca acaba em descobertas que aumentam o sofrimento.
De todo modo, prefiro ser uma sofredora inteligente do que alienar-me com um sem número de explicações pífias. E já que "nada que é humano me é estranho", continuarei segundo em frente com o intelecto sempre alerta, mesmo que vez por outra acabe "estranhando" aqui e ali, pequenas ou grandes coisas.
  

Enxergando na escuridão



Não sei se devemos cogitar determinadas coisas que nos acontecem. Essa história de ficar se perguntando: “Por que isso aconteceu justo comigo?”, ou “O que fiz para merecer isso?”, não leva absolutamente a lugar nenhum. É como estar perdido numa floresta e ficar dando voltas sem sair do lugar.

Devemos cogitar sim sobre as coisas que iremos fazer, as metas a serem alcançadas. Mas chorar sobre o leite derramada é morbidez. É brincar de “coitadinho (a) de mim, como sou infeliz...”, é ser como a hiena daquele desenho animado antigo que vivia repetindo: “Oh, céus! Oh, vida!”. E enquanto ela se lamentava Wally — seu companheiro de aventuras — gozava a vida, sabendo tirar proveito de todas as situações.
Diz o ditado que “o que não tem remédio, remediado está”. Pois bem, se alguma coisa aconteceu de ruim, de grave não tem mais jeito: aconteceu! É passado e o passado não pode ser consertado. Olhemos, pois para frente, pensemos nas lições que podemos tirar de cada situação, seja ela boa ou má. Fatalidades ou felicidades têm que trazer amadurecimento, conhecimento, experiência.
Prefiro sempre pensar que nossa vida é como um rio: às vezes as águas estão límpidas, correndo suavemente outras, ficam turvas, passam rugindo levando o que encontram pela frente. Cada situação tem sua beleza, nós é que não habituamos nossos olhos a enxergarem sob a escuridão. De toda forma, as águas de um rio estão sempre correndo, nunca ficam estagnadas, passam.
Deixemos, pois, fluir nossas vidas. Acompanhando-a claro, mas sempre com o pensamento no alto, pois há Alguém que olha sempre por nós, e nas horas mais difíceis nos carrega em Seu colo.

Sempre há um novo amanhã






Freud dizia que todo o trauma psicológico é de origem sexual. Quem sou eu para discordar do pai da psicanálise, mas creio que os nossos maiores problemas centram-se na carência afetiva. Não quero dizer com isso que sexo não é bom e nem primordial em nossas vidas, muito pelo contrário! Mas dói muito mais a falta de uma mão carinhosa escorregando pelos nossos cabelos, um abraço carinhoso, um beijo afetuoso. Dói essa sensação de se estar só, de saber-se só...
O ser humano não foi moldado para a solidão. Não somos “auto-sustentáveis”, estamos sempre na dependência do outro. Uma mão se encaixa em outra, para que juntas possam agir e interagir. O dito popular já diz que “duas cabeças pensam melhor que uma”. Portanto, duas pessoas sempre farão algo mais proveitoso: uma termina o que a outra começa, ou conserta o que foi começado mas não está a contento. Se nos bastássemos a nós mesmos não seríamos esse ser tão gregário: amontoamo-nos nas favelas, nos edifícios, nas estações de metrô, nos shoppings, nos cinemas. Não há diversão para um único espectador, nem futebol sem torcida, nem carnaval sem folião.
A vida nossa de cada dia é formada por uma infinidade de pequenas coisas. Um sorriso aqui, uma lágrima chorada às escondidas ali, conversas entre amigos, contas a pagar, planos a curto, médio e longo prazo.
Às vezes, da janela de meu quarto olho o pedacinho de céu — quase sempre azul — e ponho-me a pensar que por mais difícil por mais sofrida que seja a vida, viver é maravilhoso! Os problemas não duram para sempre, as dificuldades vêm e vão. Em algumas ocasiões, passam com extrema rapidez, noutras, demoram um pouco mais, como o galho levado pela enxurrada que fica preso na curva do rio: passa dias e dias ali retido, mas chega um determinado momento que a força da água o carrega para longe. O bom de tudo é termos sempre a certeza de que o amanhã virá, quiçá cheio de boas novas. Por isso, feliz amanhã para todos nós

Sonho, logo existo




Olhando a imensidão do mar, aquela linha quase invisível que separa água e céu, o pensamento era: o que haveria após?  Talvez o deus Atlas sustentando o Mundo, o abismo de águas jorrantes, a escuridão total... Que bobagem... Se a gente deixar o pensamento nos leva a desvarios sem tamanho, loucuras disfarçadas usando o pseudônimo de
 imaginação.
Todavia, mesmo sabendo que além daquela linha tênue o que existe é apenas a continuação da água e do céu, é tão sem graça, tão óbvio, que melhor mesmo é imaginar coisas mirabolantes, estapafúrdias. Depois do infinito – veja que absurdo, se é infinito como pode existir algo além de –, mas depois do infinito há um mundo desconhecido, maravilhoso cheio de seres interessantes e belos. E novidade maior! O tempo não passa!
Para além daquele fiapo de quase nada, há o universo fantástico dos que sonham, criam, inventam. É a terra daqueles que fazem de conta que o céu é realmente azul cheio de carneirinhos brancos chamados nuvens. É o habitat de quem não perde a esperança e canta a plenos pulmões canções de amor, acalantos para bebês dormirem, hinos de gratidão a Deus.
Olhando a imensidão do mar, aquela marquinha separadora de água e céu, lâmina imperceptível aos olhos de quem olha, mas não vê, enxergo um caminho de luz, um brilho de paz, um chamamento de amor e, tranquila, serena, caminho lentamente por sobre as águas, inebriada de felicidade. Sonho, logo existo!
  

RECEITA PARA UM DIA DE CHUVA FRIORENTO





Um bom agasalho de lã macia

Uma lareira com foguinho gostoso

Fondue

Uma taça de vinho - só uma, pois o excesso tira o prazer de saber aproveitar 
momento.

Um bom livro.

Qualquer das grandes divas do jazz como música de fundo.

Se tiver uma boa companhia, dispense o livro...

Leia as palavras não ditas pelos lábios

Mas expressas nos olhos amados...

Se quiser, dispense o vinho, para que o sabor dos beijos

Não sejam maculados pela bebida.

Mas nunca dispense a música.

Amor e música são inseparáveis

Num dia chuvoso e friorento...




A Fênix nunca existiu




 As pessoas deveriam escrever sempre coisas boas, que levassem alegria ao coração de quem lê. A mensagem teria que provocar paz, sensação de bem-estar e poesia. O mundo teria que parecer mais belo, após a leitura, e todos sentiriam uma espécie de euforia capaz de fortalecer espíritos combalidos. Essa deveria ser a missão do escritor (tido aqui como apenas alguém que rabisca textos e não aqueles que produzem obras-prima ou best-sellers).
Peço desculpas a quem lê hoje meus escritos, porque não anuncio coisas alvissareiras, não traduzo felicidade, não levanto a bandeira da esperança e da coragem. Não propago lição de como viver feliz num mundo que anda pelo avesso, ou como fazer sucesso em meio a uma época em que valores são transitórios e vale mais quem pode mais.
Estou aqui para fazer um testamento simples de bens imateriais, mas que são a tradução da minha vida. Portanto informo a quem interessar possa,  que as minhas agendas cheias de risco e rabiscos, confissões e mentiras, deixo-as para quem é capaz de enxergar a vida com os olhos da alma.
Os meus livros da Laura Ingalls ficam para todos os que não deixaram morrer a criança que existe lá dentro do coração, escondidinha, mas que é capaz de se sentir-se sentada nas tábuas duras de um carroção, achando maravilhoso viajar de um lado para o outro em busca  da terra “prometida”, onde fosse possível fincar raízes.
As poucas obras de Lobato ficam para os que se encantam com as peraltices da Emília, a sapiência do Visconde, a ingenuidade de Tia Nastácia, o protótipo da avó que todos queriam ter na vida que é a Vovó Benta, as brincadeiras de Pedrinho e o mundo encantando do Sítio do Picapau  Amarelo.
As fotos peço que quem as encontrar, deixe apenas aquelas em que eu pareço bonita. As feias, as que mostram uma cadeira com duas rodas e as que estou gorda queimem, por favor.  Não vale apenas conservar o que só trouxe tristeza.
Caso algum sonho teimoso tenha ficado escondido em alguma fresta de parede, atrás de algum móvel, dentro de alguma gaveta, sacudam para bem longe. Joguem-no às traças, mas não permitam que ele retorne ao mesmo lugar.
Hoje minha alma morreu um pouco mais. Uma parte de mim se foi, sem direito à volta, sem possibilidade de recaída, pois a tal da Fênix que renasceu das cinzas sempre foi uma grande mentira universal, nunca passou de lenda.



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