Labirintos






Perdida em labirintos cujos corredores eram arredondados, o pavor foi tão grande que me obriguei a despertar.  No meio da aflição ainda sonhando, lembro que pensei claramente: “Estou sonhando, tenho que acordar!”. Saltei da cama com o coração aos pulos! O relógio marcava 4h. Totalmente esperta, resolvi sentar-me na varanda onde corria uma brisa fresca. Ainda estava escuro.

A rua dormia deserta, o silêncio era quase palpável. Aos poucos uma barra esbranquiçada começou a se formar e as estrelas antes exuberantes em seu brilho, começavam a ficar pálidas, desaparecendo à medida que o dia ia clareando.

O sol, sem nenhuma pressa, ia se espreguiçando por trás das montanhas espalhando seus raios em todas as direções. O ciclo da vida se renovava, e o mundo ia cumprindo seu destino, percorrendo seu caminho no universo. Nós os humanos, passageiros da nave Terra, íamos também cumprindo a nossa estrada pelos labirintos da vida.

Durante o sonho lembro que lamentei não ter feito o mesmo que Teseu: não levei meu novelo de linha para ir marcando o caminho de volta e acabei, portanto, perdendo o fio da meada que não me dei ao luxo de levar. Faltou-me uma Ariadne para lembrar-me deste detalhe.

A vida é também um labirinto. Começamos a percorrê-lo após o nascimento. Não temos ideia do que virá pela frente, cada dia é um corredor a vencer sem sabermos aonde vai dar. Por mais que planejemos e tracemos estratégias para o amanhã, não temos garantias de que tudo correrá conforme nossa vontade. Acasos, surpresas, incidentes e acidentes são nossos labirintos diários, sem mapa, sem guia, sem placas de sinalização. Mergulhamos no escuro a cada acordar.  Aos poucos a trama diária da vida, vai tecendo nosso destino. Podemos, claro, mudar aqui e ali. Fazer e desfazer coisas. Construir uma base para que caminhemos numa estrada com menos altos e baixos.

Não sei por quanto tempo fiquei ali pensando nessas coisas. Os ruídos que vinham da rua, o cheiro de café fresco no ar, vozes que vinham de várias direções, anunciavam o início de um novo dia. Levantei-me preguiçosamente, afinal já era tempo de percorrer o meu labirinto de hoje. Se meus corredores iriam ser retos ou arredondados, não tinha a menor importância. Dentro mim ia a certeza de que sempre haveria um sol surgindo no final de cada noite escura.

Sem Você





Há um rio que corre em mim, de águas mansas e frias
que se derrama num oceano de incertezas e sonhos.
Há uma floresta de vontades que sombreia minh’alma
repleta de árvores cujos frutos nem sempre adoçam a boca.
Há um abismo de incertezas em cada final do dia
onde meus pensamentos mergulham em busca da esperança.
Percorro ruas desertas respingadas de lágrimas
que correm de meus olhos insones em busca nem sei de quê.
Há um vazio gelado a minha volta, um nada preenchido de saudade
e dessa dor que machuca sempre que penso em você...




A trilha





Segui a trilha que serpenteava montanha abaixo. Pequenas flores vermelhas e amarelas pincelavam o verde aqui e ali. Galhos frondosos faziam sombra e resfriavam o ar. Pensei em voltar. Nunca tinha ido tão longe, não conhecia direito o lugar. E se eu me perdesse? A despeito do medo, continuei em frente. Algo me impelia. Não tinha como retroceder.
À medida que o tempo passava, a trilha ficava mais estreita. Quantas horas eu estava ali andando sem parar um instante sequer? Perdi a noção do tempo. Não sabia mais se era de manhã ou de tarde. Era dia, isso eu tinha certeza porque havia claridade, céu azul, nuvens de algodão.
O ar cada vez mais frio causava-me uma sensação diferente quando inspirava com mais força. Minha pele pinicava como se pequenas agulhas estivessem entrando pelos poros. Entretanto não sentia cansaço. Parecia que eu dera apenas alguns passos, mas eu tinha certeza há horas eu pegara esse caminho. Olhei para meu pulso esquerdo e  só avistei a marca esbranquiçada. O relógio ficara em cima da mesa da cozinha...
De repente faltou-me o chão. Caí com força sobre um arbusto e bati com a cabeça numa pedra. A dor veio aos poucos... Abri os olhos e então me deparei numa clareira extremamente bela. Todos os tons de verde estavam ali representados. Flores, que eu nunca vira, formavam um tapete colorido que descia até as margens de um pequeno regato cujas águas corriam mansamente e desapareciam numa curva mais além.  Tentei ficar de pé.  O mundo rodou, tudo escureceu, não vi mais nada.
Acordei com a pancada da porta fechada pelo vento. Havia cochilado no sofá. Olhei para minhas pernas finas, flácidas, quase sem movimento. Puxei a cadeira de rodas, sentei, fui para o pequeno escritório onde o trabalho me esperava. Tudo o que eu mais desejava nesse momento era estar perdida naquela trilha da montanha...

Bandalha à vista





Estamos vivendo momentos difíceis no país e no mundo. Por aqui escândalos políticos acumulam-se uns sobre os outros. O povo vai remando contra a maré, tentando equilibrar-se nesse mar de lama. Com a chegada do verão faz medo ligar os ventiladores, afinal não se sabe o que vai voar...
Ah! Brasil, Brasil! Como pode você ser tão majestoso, com riquezas tão grandes, uma pujança que faz corar países de tons pastéis do outro lado do Atlântico, ser assim devastado não por terremotos que soterram crianças, ou ondas gigantescas que engolem cidades, nem furacões que deixam em sua passagem um rastro de destruição, nem vulcões que cospem furiosos toneladas de lavas incandescentes.
A nossa vergonha tem nome, CPF e endereço certo. Tem cor. Já foi verde e amarelo, agora é cor de burro quando foge... O nosso batuque hoje tem um som de caixas dois. A feijoada foi substituída pela pizza. O futebol cedeu espaço a outro jogo: o do poder, do tráfico de influências.
Como disse o poeta “não me convidaram pra essa festa...”, mas mostraram a cara. Houve uma época em que se dizia que Deus era brasileiro. Mas até Ele, não suportou a bandalheira e tirou férias por tempo indeterminado...

Eu em mim






Não me prendi em fios de seda insuportavelmente lindos.
Não me prostrei em relva macia e verde com cheiro de chuva recente.
Não me sentei em almofadas indianas de trama dourada com pingentes nos cantos.
Não me deixei molhar na espuma da onda que quebra preguiçosa na areia.
Nem deixei que o vento fustigasse meu corpo e despenteasse meus cabelos.
Quedei-me, apenas, vagarosamente no espaço de mim mesma
E embriaguei-me com os sonhos que deixei para trás
Senti o gosto da infância. Refiz o caminho.
Peguei o fio de meu destino e fui desenrolando.
Alcancei o sol.
Toquei a lua.
Dancei no espaço.
Desfiz as margens que me prendiam.
Acordei para a vida.



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