A estrada perdia-se na neblina matinal. Por conta do denso nevoeiro, enxergava-se alguns metros à frente. Os poucos carros que passavam, iam em baixa velocidade, cautelosos. O ar frio da madrugada deixara pequenas gotas de orvalho nos pés de framboesa e ao pegar as pequenas frutas vermelhas, meus dedos enregelados puxavam-nas suavemente para que soltassem intactas dos finos ramos.
Era delicioso levar uma framboesa vermelha e linda à boca e sentir o sabor adocicado, a maciez. Naquele lugar elas nasciam livremente em meio ao matagal e eu repetia aquele ritual quase todo dia: perder-me em meio à bruma em busca dos pequenos rubis comestíveis. Meticulosamente afastava o mato que crescia à beira do caminho, procurando encontrar framboeseiras escondidas. Os pequenos espinhos da planta, em muitas ocasiões, furavam-me os dedos e as gotas de sangue misturavam-se ao vermelho do sumo da fruta em minhas mãos enodoadas.
Não tinha pressa. Como disse o poeta “o melhor o tempo esconde, longe muito longe...”. Portanto era com muita calma que adentrava pelo mato, atenta aos frutos cônicos pendurados nas pontas das hastes. Sempre voltava para casa com uma cestinha cheia, porém as framboesas maiores e mais doces, essas eu degustava durante o passeio.
A beleza natural daquele lugar era extraordinária! Em vários trechos havia filetes de água escorrendo do alto da serra onde o mato dava lugar à rocha. Samambaias, avencas e orquídeas misturavam-se a milhares de outras espécies nativas, cujos nomes desconhecia. Era normal, portanto, que na volta eu respirasse alegria e paz.
Naquela manhã, em meio ao meu regresso a casa, abraçada à cesta cheia de doces frutinhos, um carro passou por mim em altíssima velocidade e, instantes depois, ouvi um barulho enorme. O motorista perdera a direção ao fazer a curva e chocara-se com a montanha. Da porta parcialmente arrancada escorria um filete vermelho que, aos poucos, ia penetrando na terra bem próximo a uma framboeseira carregada de frutos. Não havia mais nada a ser feito. Eu e minhas rubras framboesas saímos dali mais pálidas. “O melhor o tempo esconde, ao longe, muito longe...”.