Cheirinho de vida

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Uma das minhas lembranças mais remotas é o cheiro do mar da praia de Botafogo. Cheguei ao Rio de Janeiro numa madrugada do ano de 1958, tinha seis anos. Ao passar pela praia de Botafogo, as ondas esbranquiçadas e pálidas pelo adiantado da hora, pareciam um borrão que batia nas pedras. Aquele cheiro de água salgada fascinou-me! Lembro que inspirei várias vezes o ar que entrava pela janela do carro numa tentativa, inconsciente, é claro, de reter na memória aquele perfume. Se eu fosse perfumista tentaria criar um perfume com cheiro de madrugada e mar. Colocaria num frasco de tonalidade clara do gargalo até a metade, daí para baixo teria o tom do mar, escurecendo gradativamente até chegar num azul escuro. Quando eu o tomasse entre as mãos e o sacudisse lentamente, seria como ondas quebrando nas pedras de um mar noturno.

O cheiro são sentimentos em estado gasoso. Cada perfume desperta um sentimento diferente em mim. Os odores foram marcantes na minha vida, porque sempre estiveram embaralhados às minhas emoções. Para mim eles são assustadoramente indissociáveis. Confundem-se de tal forma que não sei onde começa um e termina o outro. Os cítricos trazem a alegria de minha adolescência, do tempo que tirava umbu do pé, chupava cajá e fazia limonada para servir nas festinhas de aniversário. Os florais evocam romance, beijo dado às escondidas, cafuné, palavras apaixonadas murmuradas pertinho do ouvido. Entretanto se prevalecer o toque de violeta, prevalece também a tristeza, porque lembra namoro acabado, solidão, dias sem luz.

Perfumes amadeirados, por exemplo, principalmente aqueles com toque de cedro me trazem uma sensação de segurança, organização. Despertam-me um sentimento de amor filial quase palpável. Transportam-me no tempo e deixam-me em frente a um guarda-roupa enorme de madeira escura, onde meu pai guardava sua roupa sempre muito bem arrumada nos cabides, em gavetas e prateleiras. Nada ficava fora do lugar. Sempre que eu o abria para pegar qualquer coisa ou apenas para olhar aquele mundo masculino, o odor da madeira penetrava em minhas narinas e eu ficava extremamente feliz. Era o cheiro de meu pai.

Alfazema representa inocência, ternura, maciez, vida. É o aroma da maternidade. Tem uma sutileza, uma candura especial, o perfume dos anjos. Lembra chorinho de bebê que a gente acalenta, cantando baixinho:

É tão tarde
A manhã já vem,
Todos dormem
A noite também,
Só eu velo
Por você, meu bem
Dorme anjo
O boi pega Neném...[1]






[1] Música Acalanto de Dorival Caymmi 

1 comentários:

Lindalva disse...

Que belo conto cheguei a sentir o cheiro da alfazema... olá amiga Estou passando para te convidar para o 6º Pena de Ouro e conto com tua presença no meu Ostra da Poesia – te espero na Ilha. Um beijo enorme no coração.

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