Cristal em caixa de pedras

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A menina mudara-se para a casa maior e mais bonita da rua. Na época o pé de flamboyant era um buquê gigantesco de flores vermelhas. As janelas dos três andares, após longo tempo fechadas, abriram-se para os raios de sol e a brisa mansa da montanha que balançava suavemente as cortinas.

Com o passar dos dias, aquela azáfama dos primeiros momentos de mudança foi diminuindo e, aos poucos, a rotina instalou-se. Entretanto, apesar dos dias claros e sol ameno, ninguém aparecia no jardim, a não ser um velho jardineiro que cuidava das plantas, fazia mudas, podava e aparava a grama.

Certa manhã de sábado, porém, ao passar pelo portão gradeado, avistei-a sentada no banco de mármore. Cabeça reclinada sobre um livro, estava tão absorta, que não percebia o mundo à sua volta. Deitado sob seus pés um setter irlandês cor de caramelo tão imóvel quanto sua dona. Entretanto assim que cheguei mais próximo do portão, levantou a cabeça olhando-me atentamente. Sua dona continuou impassível, imersa em páginas de histórias, quiçá fascinantes.

Não saía de casa a não ser para entrar no ônibus escolar que a pegava todos os dias antes no final da manhã. Nem aos sábados e domingos, dias em que nós crianças, brincávamos na rua tranquila e segura, ela aparecia. Ficávamos conjeturando o que ela fazia dentro daquele casarão. Certo que havia uma piscina nos fundos, longe do nosso olhar bisbilhoteiro, mas qual a graça de ficar mergulhando e nadando sozinha?

Nas férias, iam veranear na serra. Durante dois meses o 57 ficava fechado. A garotada ficava do outro lado da rua para ver a saída deles. Eram muito chiques. Bem vestidos, carro importado, malas elegantes. Na frente o casal, atrás uma senhora de cabelos brancos, uma mulher ainda jovem, talvez por volta dos quarenta anos e a menina. O carro subia a rua, fazia a curva e desaparecia.

Durante uns cinco anos, a rotina daquela menina, agora já quase adolescente, não se alterara. Era um ritual seguido à risca. Não recebiam quase nenhuma visita. Pouco saíam. Sabíamos os o horários em que o casal ia para o trabalho e a hora do retorno. A hora em que abriam as janelas e o momento em que as fechavam. Tudo cronometrado, sem novidades, sem mudanças.

Um dia notamos que a menina não morava mais no 57. Nunca mais o ônibus escolar viera buscá-la nem a víramos no jardim. Os adultos continuavam lá, mas ela não. Tempos depois uma das empregadas contou que a garota era filha de uma parenta distante da família. A mãe ficara viúva e os parentes abastados trouxeram a menina. Criavam-na com todo cuidado, carinho, escola cara, boas roupas, tudo do bom e do melhor. A única coisa é que não permitiam que ela saísse de casa, nem brincasse com outras crianças. Tinham medo de que algum mal acontecesse a ela. Achavam que a responsabilidade deles era muito grande, justamente por que não eram os pais verdadeiros. Agora já maior, ela dissera que não queria mais morar com eles, queria ir embora para junto da mãe e dos irmãos.

Assim foi. Abriram a porta da gaiola dourada e o passarinho voou para longe. Não mais casa com piscina, não mais veraneio na serra, não mais luxo nem riqueza. A liberdade a esperava numa cidade bem pequena, em uma casa simples e cheia de dificuldades. Não se pode proteger ninguém do mundo. Não há redoma que impeça a dor. Tolher a liberdade por medo e precaução é criar seres despreparados para a vida. Não se carrega cristal em caixa de pedras.

2 comentários:

Lindalva disse...

O que é seu de verdade sempre há de voltar... bom dia amiga Vera, estive estes dias entre a festa da Ilha e o carnaval porisso meu sumicinho... faz parte :).. Olha amiga teu comentário da Ilha saiu sim é que ele só aparece depois que eu clico em publicar:)... espero que esteja tudo na santa paz ai do outro lado. Um enorme beijo no coração e que teu final de semana seja de sorrisos colorido!!

NADJINHA disse...

Oie vim conhecer seu magnifico espaço de postagens lindas...muito prazer..acho que já fui em um de seus blogger ñ é kkkkkkkkkkkkkk
Bem aparece kiida beijus feliz fds !!!

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