Infinitude





Assombrava-me a ideia de finitude. Vivia ensimesmada remoendo um sentimento de urgência como se o mundo fosse acabar de uma hora para outra. Procurava entender o porquê desse estado angustiante, mas quem poderá ter resposta para o inquestionável? Os pensamentos não tinham meio só princípio e fim, como se ao iniciar uma ideia, de repente, perdesse a memória e chegasse ao final em completa estupefação pelo absurdo do processo.

Queria explicações, minúcias, detalhes dessa coisa a que chamamos vida. Onde de fato tem início a nossa linha do tempo? Ao nascer? Antes disso? De repente você acorda e pensa: sou gente, estou vivo e sou integrante de uma sociedade que se diz humana. Sou mulher, sou homem, sou menino, menina. Devo aprender listas intermináveis do que é certo e do que é errado. Terei pessoas escolhendo tudo para mim: comida, roupa, hora de dormir, tomar banho, brincar, os amiguinhos, escola...

Sem estar ainda preparada, embora pense ao contrário, dou-me conta que já sou dona de mim e de minhas escolhas. Passarei o resto da vida errando e acertando. Achando que tudo corre às mil maravilhas, para descobrir adiante que as maravilhas viraram pesadelos. Na trilhas das dos amores, ficarão o salpico de lágrimas, misturadas a marcas de batom vermelho com gosto de paixão e desejo e um réquiem no final.

Não sei se existe alguma forma, mas tentarei erguer margens a minha volta e deixarei que minha vida apenas flua, serena, vagarosa para em um momento qualquer, de um dia qualquer desaguar num oceano sem águas, num mar de nuvens, num espaço luminoso, no infinito. Então não haverá começos e nem fins. Apenas o sempre, o eterno e Deus.


Viver simplesmente



Não quero desperdiçar o tempo que resta com falsas esperanças. Não farei planos mirabolantes e nem me alimentarei de desejos kafkianos. Dispensarei todas as possibilidades de resgatar o que já está definitivamente perdido no tempo. Apagarei todo e qualquer traço de angústia e não permitirei que elas solapem a minha vida. Sufocarei desejos estapafúrdios que queiram acorrentar-me em suas loucuras.

Descobri que a vida não precisa ser complexa, fantasiosa, nem pintada com recursos de luz e sombra de um quadro tenebrista. A vida pode ser apenas luz e mesmo que haja um pouco de sombra esta será reconfortante, como é a suavidade que habita sob a copa de árvore frondosa para o caminhante em estrada poeirenta.  

A vida é de uma simplicidade tão imensa, que é preciso viver muito para se descobrir essa verdade. Entretanto que mistério há no vôo da borboleta que adeja alegremente de flor em flor e em sua inocência enche de ternura o coração de quem as vê? Ou no quebrar das ondas que em movimentos suaves de idas e vindas beija a praia, murmurando declarações de amor?

A felicidade de viver está nas coisas mais simples e, muitas vezes, não percebidas. Por isso quero aproveitar o tempo que me resta reverenciando o sol que me aquece, as flores que tornam o mundo belo, a porteira entreaberta de um pasto verde, o cantar dos passarinhos ao amanhecer, as gotas de orvalho brilhando sobre a grama em madrugadas frias, a chuva que molha e faz a natureza renascer em cores vibrantes. Quero encher meus olhos com o pores-de-sol em todos os tons da aquarela, e deixar meus cabelos embaraçados pelo vento que embala as folhas e refresca minha face. Vou buscar sorrisos, colher beijos amorosos, afagos mornos e abraços apertados. Vou cercar-me de amor e assim, realmente poderei dizer: sou feliz.

Na Paleta da Paz





Olhei a parede branca e nua e pensei numa folha de papel. Talvez pudesse rabiscar alguma bobagem para não ficar tão sem vida essa parede. Ou quem sabe pendurar um quadro colorido, ou só em tons de azul para combinar com a colcha da cama. Poderia ser também uma série de retratos meus, como uma linha do tempo, mas creio que é perigoso deixar latente tanto narcisismo. Uma boa ideia seria grafitá-la assim teria um aspecto mais contemporâneo.

Sem me decidir por nada, quedei na poltrona mirando aquela brancura insossa, sem graça. Foi então que me ocorreu um pensamento estúpido, como tantos outros que me ocorrem, sobre o branco ser a representação da paz. Aprendi nos meus tempos de escola que a cor branca resulta da mistura das cores primárias, ou seja, sobrepondo-se o verde, o azul e o vermelho teremos o branco. Agora por que resolveram que essa cor é sinônimo de paz não faço a mínima ideia.

Considero falta de imaginação e bom gosto, pois um mundo descolorido é absolutamente intragável! Imaginemos, por exemplo, um céu sem o azul e todos os seus matizes. Um por-do-sol sem os roxos, os lilases, os dourados, os rosas, os vermelhos... não seria por-do-dol, até por que o sol nem seria amarelo, então teríamos por-de-nada. E o mar? Tão lindo e maravilhoso com azuis de infinitos matizes, se branco fosse onde estaria a beleza? Na espuma branca lambendo uma branca areia?

Quando olho um belo jardim repleto de flores e vejo perfumadas rosas vermelhas, dálias amarelas, violetas roxas, lírios alaranjados, miosótis azuis, hibiscos magentas, tulipas rosa e a explosão colorida das flores do campo, meu coração pulsa forte, meus olhos iluminados perdem-se naquela exuberância cromática e essa pujante beleza vai penetrando em meus poros, entranhando-se em minhas células.  Sou tomada por tamanho prazer e alegria que me sinto parte do universo e da vida. Sou também uma gota colorida da via-láctea.

Portanto, meu conceito de paz não se coaduna com o que foi institucionalizado no mundo ocidental e nem se reflete no branco. O mundo em paz transborda cores por todas as partes! Desde a natureza que orquestra a paleta infindável de tons e matizes ao homem com roupas em colorações primárias, secundárias, terciárias e complementares que pega seus pinceis e vai criando e recriando substâncias corantes até chegar na matemática, presenteando-nos, dessa forma, com a cores hexadecimais usadas nos pixels da informática. A paz não é de forma nenhuma branca! É cheia de cor, como a vida!

Tempos de Magenta




Naquela manhã, ao abrir a janela vi que no meu canteirinho de margaridas esquálidas crescia uma haste com folhas de um verde viçoso e brilhante em cuja extremidade havia uma flor vermelha. Não dava para identificar que espécie de flor era aquela que chegara ali tão lampeira, instalando-se sem nenhuma cerimônia, fazendo com que as outras plantas parecessem ainda mais desbotadas e tristes.

Nas casas vizinhas as floreiras estavam ressequidas e os galhos das poucas plantas que ainda restavam vivas, eram amarelados e curvos pelo acúmulo da poeira neles depositada. A estiagem prolongada pincelara de cinza jardins e quintais, cobrira o mundo com um manto triste e descolorido de viuvez hibernal.

O céu sem nuvens ia perdendo a cor e o azul já estava tão esmaecido que a impressão que se tinha era que um imenso filó desbotado, aos poucos, ia envolvendo tudo e todos. Não havia brisa, nem canto de pássaros. Sem flores, as borboletas foram adejar onde houvesse vida e cor e néctar. O que restava era um marasmo seco, modorrento que ia devorando a vontade, a alegria, a ânima daquele lugar.

De repente eis que surge a flor vermelha! De onde teria vindo? Como foi possível brotar assim tão bela em meio àquela terra agonizante? O fato era que ela estava ali lindamente agarrada ao solo ressequido, exalando um doce perfume. Tão repentinamente como a flor aparecera, surgiu uma borboleta amarela, seguida de um beija-flor azul. Gotas de chuva começaram a cair suavemente e com ela chegou a certeza de dias cheios de luz e tardes festivas.

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