Merônimo






Sentado num banco de pedra, o homem gasta seu dinheiro de plástico em milhares de supérfluos nano tecnológicos. Busca algo que preencha o vazio que aumenta a sua volta. Consome-se cada vez mais na procura e uma ansiedade viscosa adere-se à pele, à alma, sufocando-o. Que é de a alegria e os sorrisos de outrora? Que é de a leveza que o fazia flutuar em nuvens de algodão colorido? Perderam-se numa esquina qualquer, foram ficando para trás, trocados pela satisfação imediatista escondida, quiçá, na tecla de um remoto controle ou presos no pause break do micro de última geração. 

Esqueceu-se de colher risos em canteiros de marias-sem-vergonha, de cultivar sonhos prateados ao luar ou cheios de calor do sol. Perdeu a capacidade de ver a sutileza de uma gota de sereno mal dormido em madrugadas frias de inverno. Não sente a suavidade da folha leve que tremula e cai sem ruído do galho mais alto. Trocou a simplicidade das portas sem chave e das janelas abertas de onde cortinas diáfanas tremulam ao sabor da brisa vesperal, por vigilantes olhos ciclópicos e grades claustrofóbicas.

O homem sentado no banco de pedra deixou para trás a simplicidade, complicou o mundo, compartimentou os sentimentos, leiloou a tranquilidade, abriu mão da individualidade, virou um merônimo  de milhares de outros homens sentados em bancos de pedra espalhados pelo planeta.

Rascunhos




Fechar-se ao sonho, às ilusões, é enterrar esse lado lúdico inerente ao ser humano. O faz de conta é uma forma de lidarmos com os fracassos normais que permeiam nossa vida, mas a partir do momento que não me dou o direito de fazer o jogo do contente, coíbo a única maneira possível de ser um pouco feliz. 

Passei a vida quase toda fingindo que tudo estava bem, que era feliz – a despeito de tudo e de ruim ia acontecendo a minha volta – e que eu era capaz de superar as adversidades, por ser uma pessoa forte. Nada mais falso. Construí minha vida em cima de uma mentira deslavada, escondendo atrás de falsos risos a dor que feria e sangrava minha alma. O papel de boba da corte coube-me bem, mas é hora de dar um basta e assumir um papel onde a verdade seja regra e não exceção.

Não importa o que os outros vão pensar, que críticas serão feitas. Meus signos deixaram de ser fantoches nascidos do engano. Meu nome hoje é verdade, o destino será para onde a vontade me levar. Se tiver que passar por cima de determinadas regras, paciência, minha cota de madalena arrependida acabou. Doravante serei única, com personalidade advinda do rascunho do que fiz até hoje. Agora é tempo de passar a limpo o passado e caminhar para o futuro sem o peso do arrependimento. 

Sem sentido






Como barco perdido em meio ao oceano, meus pensamentos vagueiam numa mistura absurda de sentidos e falta deles. Por mais que queira coordenar o caos que se instalou em mim, minha vontade permanece estática. Falta-me força para organizar o meu eu partido em pedacinhos mil. É necessário juntar todos os cacos, não me permito abrir mão de nenhum deles, pois são partes deste quebra-cabeça que sou eu.

Passei a noite vagando na aridez de uma vida tantas vezes recomeçada, tentando encontrar a quietação necessária para conciliar o sono. Insone varei a madrugada úmida e vi os primeiros raios de sol clareando o dia. Uma névoa suave erguia-se do mar em direção ao céu e da minha janela vi pequenos barcos oscilando suavemente nas águas ainda noturnas. Vê-los era como enxergar-me balouçando nas ondas de uma solidão pegajosa, densa, sufocante.

Não me preocupa saber que há um fim para tudo. Essa certeza de finitude, aliás, é a única que tenho. Perturbar-me não encontrar respostas para minhas dúvidas e esta sensação de que deixei escapar aquele momento exato e único em que tudo é esclarecido. Cheguei ao clímax, mas perdi o desfecho de minha própria história. Sou personagem de um enredo cujo mistério me mantém suspensa desde que nasci. Desconheço-me.








Sombra de Flamboyants





Estrada


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