A Santa da Chuva






Quando Teresa desceu do ônibus ao meio dia em ponto em frente à pequena praça, um raio riscou o céu azul livre de nuvens e partiu ao meio a centenária algaroba, única árvore ainda com folhas no meio do jardim. O estrondo ensurdecedor, a fumaça, o cheiro de madeira queimada remetiam a uma catástrofe apocalíptica. Passado o estertor, seguiram-se alguns minutos de silêncio total, como se não houvesse mais viva alma naquela remota cidadezinha. A impressão que dava era que seus cinco mil habitantes haviam também sido fulminados pela descarga elétrica inexplicável.

Após esse instante único de fim de mundo, portas e janela começaram a se abrir despejando pessoas aturdidas, aparvalhadas que gritavam e corriam pelas ruas sem saber bem o que havia ocorrido. Canteiros despedaçados, bancos jogados ao longe, plantas enegrecidas e as metades da algaroba lançadas a distância. compunham o cenário de destruição. A alguns metros da antiga praça o ônibus jazia tombado com o motorista morto ao volante. Era a única vítima fatal uma vez que fora Teresa, nenhum outro passageiro viera para aquele lugar, todos os outros haviam descido na única cidade antes de Redenção. Ali era o fim de linha... Talvez o fim de tudo, o fim do mundo mesmo. Redenção era um lugar miserável, esquecido por todos, passando por um longuíssimo período de secas. Areia, calor e fome formavam um triângulo de morte. Seis anos sem cair nenhum pingo de água...

De repente alguém grita: “Há uma moça ali em pé! Parece uma estátua! Não se move e nem nada!”. Era Teresa. que se encontrava intacta no mesmo lugar em que descera do ônibus! Nenhum fio de cabelo fora do lugar, nem sujeira nas roupas, nada! A boca ainda estava pintada de batom rubro, o colo à mostra no decote provocante sequer arfava com mais rapidez, era como se nada houvesse acontecido. Apenas os olhos pintados estavam um pouco mais abertos. Um menino de nariz escorrendo e roupa suja informou: “Eu vi a moça descer e na mesma hora veio o raio! Tava na janela de casa e vi, juro que vi!”.

As pessoas começaram a se aglomerar em torno de Teresa e, ao mesmo tempo em que se aproximavam da moça desconhecida, o céu foi se enchendo de nuvens grossas, cor de chumbo, carregadas de chuva. Quando a primeira mão tocou o braço da estranha passageira o aguaceiro começou! Choveu torrencialmente durante mais de uma semana! Choveu mais do que houvera chovido em toda a história de Redenção. Não havia riacho, rio, açude, tanque, aguada, que não estivesse transbordando.

Teresa fora instalada na melhor casa da cidade, tratada como rainha, ou melhor, como santa, pois ela trouxera a chuva. Houvera um milagre! Se o motorista fora o mártir, Teresa era a santa. Como explicar que saíra incólume de uma catástrofe que destruíra a praça, o jardim? Era santa sim e ponto final.

E assim, a moça bonita que saíra corrida de um bordel famoso da Capital, ameaçada de morte pela esposa de um grande empresário, viveu vida de rainha sem jamais trabalhar na cidade que a considerava Senhora das Águas, Santa das Chuvas.



 Foto de Ralfs Mundial (http://www.photoblink.com/imageView.asp?ImageID=251992)




A foto usada na gif é de Ralfs Mundial e pode sem encontrada em

http://www.photoblink.com/imageView.asp?ImageID=252929

Ponto Final




Pensei que com o passar do tempo, aquela solidão angustiante que rodeava minha vida fosse diminuindo. Por mais que saísse, conversasse com as pessoas, batesse perna pelas ruas, ao voltar para casa bastava abrir a porta para sentir aquela sombra densa e fria aproximar-se. Aquele sentimento de abandono era tão pesado, que curvava meus ombros deixando-me profundamente cansada.

Havia espaços preenchidos de ausências naquela casa tão palpáveis, que temia olhar mais demoradamente alguns cômodos e ver saudades rodopiando em meio a fiapos daquilo que em algum momento foram minhas alegrias. O passado se esgueirava sorrateiro, tentando anular o presente, articulando emboscadas que me aprisionassem num mundo que não mais existia.

De alguma forma, a cada dia eu me sentia menos concreta, aos poucos minha pele foi ficando transparente, estava presa numa época inexistente. Certa manhã, abri os olhos e ao fitar minhas mãos enxerguei através delas a colcha sobre a cama. Ergui o olhar em direção à janela aberta e percebi uma névoa clara envolvendo o mundo lá fora, tomando conta de tudo. Passei os dedos pelo rosto, porém não senti meu toque. Embora as lágrimas rolassem mornas de meus olhos não conseguia sentir o gosto salgado delas. Sem alarde nem dor, fui me desfazendo e misturando-me àquela névoa estranha e calma. ‘Desesxisti’...
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