Aquela
porta sempre trancada trazia em si um quê de mistério, uma sensação de
irrealidade que atiçava a imaginação. Ao passar por ela os arrepios eram
inevitáveis. Nunca perguntei o que havia ali e, por longuíssimos anos, segurei
minha curiosidade, não sem muito custo. Passava-me pela cabeça cenas
horripilantes de filmes de terror e suspense. Elucubrava mil situações bizarras
encerradas entre aquelas paredes. Mas o engraçado é que assim que saí daquela
casa esqueci totalmente disso. Passei décadas sem essa lembrança que fora
varrida da minha mente fantasiosa assim sem explicação.
Teci
minha vida longe daquele lugar. Construí castelos de sonhos, rodei o mundo, vi
tantas coisas, enchi o coração de risos, choros, amores e desamores. Fui
palmilhando a estrada que me foi reservado nesse latifúndio de meu Deus.
Amadureci. Chegaram as primeiras rugas, os primeiros fios de cabelos brancos e
nesse afã de me manter viva, recebi a notícia de que titia morrera.
A
casa não mudara nada. A mesma varandinha colonial com balaústres de ferro
batido, as salas imensas de pé direito altíssimo. A mobília de madeira escura
guardava a imponência de outrora. Os sofás e poltronas de veludo gasto guardavam uma saudade antiga de tempos idos e mortos, onde sinhazinhas de pele quase
transparente sentavam-se eretas numa elegância imposta pela moda da época.
Andei
lentamente pelos cômodos recordando o tempo em que morara ali com meus pais. O
quintal enorme cheio de árvores estava praticamente do mesmo jeito de quando eu
me fora há tantos anos. A sombra fresca das mangueiras trazia um conforto e uma
doçura tal que fui invadida por uma saudade gostosa, saudade essa carregada de
alegria por ter sido tão feliz naquele lugar.
Entrei
pela porta da cozinha e passando pelo corredor que levava à sala vi a porta! O
coração deu um salto tamanho que senti as batidas pulsando na garganta.
Coloquei a mão na maçaneta e virei devagarinho. Estava aberta. Fui entrando,
mas as janelas fechadas faziam com que a penumbra tomasse conta de todo o
aposento. Já estava quase no meio do quarto quando dei meia volta, saí e fechei
a porta. Se a dona mantivera-o fechado por tantos anos, com certeza
tivera motivos fortes para isso. Seus segredos foram tão bem guardados, seus
amores e desamores nunca revelados, não mereciam essa invasão promíscua. Se
desilusões, alegrias, pecados, amores foram guardados por toda uma vida, não
era justo torná-los públicos. Contratei
uma firma de faxina e dei ordens para que todo papel e toda fotografia
encontrada fossem passados na guilhotina. Quanto às roupas e móveis seriam
doados a uma casa de repouso. Aquele quarto deveria permanecer assim como
sempre fora: misterioso.
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