A
BR-116 acabara de ser aberta e muitas fazendas da região foram cortadas ao meio
pela “federal”, como era e ainda é chamada até hoje. Não tinha sido diferente
com a Fazenda Grotão da Serra, tanto que a fonte onde pegavam água para as
necessidades gerais da fazenda, lavar roupa e tomar banho ficou muito próxima à
rodovia.
Por aquela
ocasião, corria à boca pequena pelo sertão que o fim do mundo estava próximo, a
Besta-fera com o número 666 na testa correria a Terra matando o povo, destruindo
tudo. A besta apocalíptica fazia tremer até os mais valentões. Na maioria das
casas havia uma cruz pintada por detrás das portas de entrada, ou então, feita
com as palmas da missa de Ramos pendurada num prego. Na Grotão, para maior
segurança, havia os dois tipos de cruzes, afinal seguro morreu de velho...
Na
fazenda moravam, além dos empregados, as proprietárias – duas “moças velhas”,
nome que se dá às mulheres que nunca casaram e que, se presume, permaneceram
virgens –, alguns parentes e agregados que completavam o clã familiar.
Certo
dia, como de costume, as duas senhoras saem à tardinha para o banho na fonte.
Já haviam se despido quando ouviram um barulho.
— Tonha, que é isso
—
Sei lá! Um barulho esquisito... Parece um ronco de algum animal!
Maria
arregalou os olhos:
—
Animal! Valha-me Deus! Se foi isso mesmo então é um monstro!
Resolvida
a tirar a limpo o tal barulho, Tonha – nua como nasceu – sobe na cancelinha da
fonte e olha ao redor. No lusco-fusco da tarde ela avista aquele animal imenso,
dois olhos monstruosos brilhantes como fogo numa carantonha enorme. Trêmula ela
faz soar a trombeta do juízo final.
—
Acuda-me, meu Pai do Céu! Maria, é a Besta fera! Vamos correr!
Histéricas,
totalmente apavoradas saem as duas em desabalada carreira, peladinhas,
peladinhas e ganham a estrada. O motorista do caminhão, veículo praticamente
desconhecido por aquelas bandas, tomou um susto enorme ao ver as duas em
disparada. Primeiro ele pensou que eram loucas, depois percebeu que as coitadas
estavam apavoradas mas era com o veículo. Resolveu ajudar colocando a cabeça
para fora da janela, gritando:
—
Não corram, não corram que é um automóvel!
Ao
que Tonha virando-se para a irmã informou:
— Tá
vendo!? A Besta tá gritando: “Sebo nas canelas, corram se não morrem!
Maria
saiu da estrada completamente desorientada e Tonha sem aguentar mais caiu
desmaiada. O motorista assustado para o caminhão, enrola a velha numa toalha,
põe na boleia e ruma para Tucano. Ali o médico local reconhece a vítima e trata
de medicá-la. Maria foi encontrada dois dias depois encolhida numa moita de
espinheiro, olhos esbugalhados em estado de choque. Só veio se recuperar
quase um mês após o ocorrido.
Nota:
Escrevi esse texto, e alguns outros que publicarei aqui posterirormente, em
1994. Durante todos esses anos ficou guardado num envelope esquecido no fundo
de um baú. O fato narrado foi real, tanto que o médico que atendeu as
protagonistas foi Dr. Theotônio Martins, ilustre tucanense, cujo nome está
inscrito na história do nosso município.