Flores de Primavera




Um sentimento diferente, talvez inusitado, envolvia aquele lugar. Meio inexplicável... Era possível sentir como lâmina fina que suavemente roça a pele, mas não a corta. No ar um cálido perfume, daqueles que aspiramos com tanto prazer que prendemos a respiração para retê-lo um pouco dentro de nós. Uma luz diferente, tênue, mas bela, de uma beleza quase irreal.

Era como se estivesse num lugar de sonhos, como aqueles que aparecem em contos de fadas. Fechei os olhos e senti como se esvoaçasse, tal borboleta que levemente pousa de flor em flor. Uma onda de felicidade começou a tomar conta do meu coração aquecendo-o.
De onde vinham todas essas sensações? Que mistério havia ali que despertava os sentidos daquela forma tão arrebatadora? Estaria sonhando? Tive medo de abrir os olhos e descobrir que nada daquilo era real. Entretanto era necessário descobrir o porquê daquele doce mistério.
Lentamente, olhei ao meu redor e descobri a origem de tudo aquilo. Havia um pequeno canteiro de rosas amarelas, algumas ainda em botões, outras já abertas exuberantemente belas. Pequenas gotas de orvalho ainda brilhavam nas pétalas e nas folhas. Naquele recanto ali quase escondido a vida estava começando e anunciava que era tempo de abrirmos o coração para a alegria, a esperança, o amor, a renovação. O inverno poderia ter sido longo, cinzento, frio, triste, mas a primavera, enfim, havia chegado...

Caminhos e descaminhos



“Há pessoas sem as quais não podemos viver, mas temos que nos afastar delas.” À primeira vista parece estranha, até mesmo sem sentido tal afirmação, mas não é. A personagem de um filme pensava dessa forma no momento em que foi obrigada a mudar de cidade, deixando para trás a vida que até então levava.
Fechei os olhos e deixei que essas palavras ficassem rolando na minha cabeça, como folhas lançadas ao sabor do vento. Como é possível deixar alguém sem a qual não podemos viver? Só a morte, talvez, fosse capaz de tamanha separação. Sim, deveria ser isso.
Entretanto, como num desfile, começaram a passar no meu pensamento todas as pessoas que imaginei jamais poder viver sem elas e, no entanto, estavam longe, afastadas no tempo e no espaço.
Lembrei da melhor amiga. Dividi todos os meus segredos, falei das minhas paixões de adolescente, dos sonhos, com ela dividi as incertezas e medos. Foi a única pessoa para quem realmente eu abri meu coração. Não teria conseguido viver sem sua presença, seu ombro amigo, seu ouvido atento, a palavra confortadora, o sorriso doce. Há quantos anos não nos vemos nem nos falamos? Acho que uns vinte e seis, por aí...  
 E por onde aquele grande amor? O coração pulava no peito ao som de sua voz, a pele arrepiava ao toque de seus dedos. Os lábios macios tocando os meus, deixavam-me inebriada de amor! Era ele o meu futuro... Ilusão... Passou... O príncipe virou sapo há trinta anos... Afastamo-nos para sempre.
Depois vieram os filhos... Tão nossos! No ventre, no colo, no seio, ao lado nas vinte e quatro horas do dia. Foram crescendo, cada vez mais e mais horas longe de mim. Chegaram os amigos, os amores, o mundo deles. Nosso mundinho ficou cheio de saudade daquele tempo... Adultos têm suas vidas, seus gostos, suas manias. Estão afastados, fisicamente afastados...
E assim, em vida, a gente vai aos pouquinhos se afastando de pessoas sem as quais não podemos viver!

Moinho do Tempo







Venho refletindo há algum tempo sobre as mudanças de valores, costumes e hábitos pelas quais os seres humanos vêm passando ao longo dos séculos. Já houve época em que ter uma cabana para morar, alimentação frugal e uma atividade que rendesse algum meio para a sobrevivência do indivíduo ou do grupo familiar, era o bastante para que se vivesse de forma digna e sem o estresse de ter que bater ponto diariamente. As necessidades ainda não estavam atreladas ao consumo exagerado do mundo hodierno, dançava-se conforme o bolso e não no compasso desmedido do apelo comercial, da publicidade, da vontade de ter o supérfluo.
Ser feliz hoje depende muito do DVD de última geração adquirido em “doze suaves prestações”, da TV LCD Full HD com decodificador para TV digital, entrada HDMI e etc. e tal instalado no quarto, do home theather da sala de TV, do telefone viva voz com identificador de chamadas, do micro celular que grava, filma, acessa internet e monitora os passos dos filhos adolescentes, da câmera digital de preferência a partir de 12 mega pixels (nem sei como se escreve isso...), do tablet e sua tela touchscreen ...
Vive-se afogado num mar de controle remoto e para não perder cinco preciosos minutos — afinal tempo é dinheiro — tentando encontrar qual deles liga o micro system, a solução é etiquetar todos e depois fazer uma lista e colocá-la em lugar bem visível: 01 controle da TV do quarto das crianças, 02 controle das cortinas da sala, 03 controle do microondas...
Que saudade do tempo em que eu e toda a meninada da rua, no finalzinho da tarde colocávamos um banco comprido na esquina para esperar as primeiras estrelas surgirem no céu. Ficávamos com os olhos fitos no horizonte que aos poucos ia sendo tingido de lilás, dourado, rosa... Nossa! Nem sei mais quando foi que olhei para o céu pela última vez buscando ver estrelas. Se não as buscamos no céu seremos muito menos capazes de ouvi-las, como o fazia Bilac...
E pensar que embora queiramos tanto aquele computador ponta de linha, com gravador de DVD e CD, HD de 1 ou 2 terabytes, 500 mega bytes de memória e etc., etc., mesmo assim um dia todos morreremos e tudo isso ficará para trás. Bom, nada se pode fazer quanto a isso. O que me consola é saber que no dia que chegar a minha vez, os amigos e parentes saberão que fui desta para melhor através de um e-mail...



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