As pessoas deveriam escrever sempre coisas boas, que levassem alegria ao coração de quem lê. A mensagem teria que provocar paz, sensação de bem-estar e poesia. O mundo teria que parecer mais belo, após a leitura, e todos sentiriam uma espécie de euforia capaz de fortalecer espíritos combalidos. Essa deveria ser a missão do escritor (tido aqui como apenas alguém que rabisca textos e não aqueles que produzem obras-prima ou best-sellers).
Peço desculpas a quem lê hoje meus escritos, porque não anuncio coisas alvissareiras, não traduzo felicidade, não levanto a bandeira da esperança e da coragem. Não propago lição de como viver feliz num mundo que anda pelo avesso, ou como fazer sucesso em meio a uma época em que valores são transitórios e vale mais quem pode mais.
Estou aqui para fazer um testamento simples de bens imateriais, mas que são a tradução da minha vida. Portanto informo a quem interessar possa, que as minhas agendas cheias de risco e rabiscos, confissões e mentiras, deixo-as para quem é capaz de enxergar a vida com os olhos da alma.
Os meus livros da Laura Ingalls ficam para todos os que não deixaram morrer a criança que existe lá dentro do coração, escondidinha, mas que é capaz de se sentir-se sentada nas tábuas duras de um carroção, achando maravilhoso viajar de um lado para o outro em busca da terra “prometida”, onde fosse possível fincar raízes.
As poucas obras de Lobato ficam para os que se encantam com as peraltices da Emília, a sapiência do Visconde, a ingenuidade de Tia Nastácia, o protótipo da avó que todos queriam ter na vida que é a Vovó Benta, as brincadeiras de Pedrinho e o mundo encantando do Sítio do Picapau Amarelo.
As fotos peço que quem as encontrar, deixe apenas aquelas em que eu pareço bonita. As feias, as que mostram uma cadeira com duas rodas e as que estou gorda queimem, por favor. Não vale apenas conservar o que só trouxe tristeza.
Caso algum sonho teimoso tenha ficado escondido em alguma fresta de parede, atrás de algum móvel, dentro de alguma gaveta, sacudam para bem longe. Joguem-no às traças, mas não permitam que ele retorne ao mesmo lugar.
Hoje minha alma morreu um pouco mais. Uma parte de mim se foi, sem direito à volta, sem possibilidade de recaída, pois a tal da Fênix que renasceu das cinzas sempre foi uma grande mentira universal, nunca passou de lenda.