Ele mergulhou na imensidão do
oceano de si mesmo. Aos poucos foi fechando as comunicações com o mundo
exterior. Era ainda uma criança e preferia o isolamento de seu quarto e horas a
fio afogado entre carrinhos, bonecos de super-heróis, gibis. Para todos era
apenas um menino tímido.
Anos depois, o olhar adolescente
inescrutável, a não manifestação de sentimentos próprios, também não foi
questionada. Os outros decidiam por ele o que comer, o que vestir, que escola
cursar, que universidade futura, onde passar as férias, enfim, como viver. Havia
uma fenda naquele oceano e daí ele imergiu para profundezas abissais.
Conviveu anos numa escuridão
interna, numa confusão existencial nunca percebida pelos demais. O menino antes
tímido, era agora o adolescente nerd,
ou quem sabe o rebelde sem causa,
coisas da idade... Carrinhos e bonecos foram substituídos por horas a fio
diante do computador em jogos de guerra, destruição, muitas batalhas, explosões,
mortes, bandidos, mais mortes...
As sombras densas, quase
palpáveis tomaram conta daquele eu
jamais percebido. Aos poucos foram ocupando todos os vazios interiores, suas
células, seus pensamentos, sua vontade. Não havia mais nada de humano, só o
insano, o escuro, um inexplicável ser atormentado não se sabe por quê...
Num dia azul de quase primavera, ele
sai de casa silencioso, mochila às costas, entra num shopping, vai até a praça
de alimentação e toma um sorvete duplo. Fica horas sentado. As pessoas
conversam, comem, riem, despreocupadas. Ele abre a mochila, tira uma
submetralhadora, dispara aleatoriamente. O último tiro é para ele mesmo.
Em meio ao caos, gritos, mortes,
sangue e desespero, o menino tímido, o adolescente nerd, o rebelde, o jovem
estranho jaz sem vida. Em que momento algo se rompeu dentro dele para chegar a
esse ponto? É um monstro? Um louco? Psicopata? O que o fez assim? Não há
respostas, mas certamente havia sinais o tempo todo... Pena ninguém ter
percebido...